O meu dia normal começa por volta das sete da manhã. Não consigo ficar na cama – fui professora durante tantos anos que ainda acordo automaticamente, quer queira ou não. Não funciono bem de manhã sem chá, por isso faço algum e levo-o para a biblioteca. É aí que eu gosto de trabalhar; é um sítio calmo e tem uma vista maravilhosa, apesar de ainda estar a habituar-me a ter um sítio só para mim. Durante muito tempo não tive uma secretária e costumava escrever num portátil no chão da sala de estar. Actualmente, ainda uso um portátil e ainda trabalho no chão, apesar de já ter uma secretária. É uma secretária de escola da época vitoriana, com um tinteiro e um tampo, e é ridiculamente pequena. Toda a gente se ri dela, mas acho que me fica melhor do que uma secretária séria, com um mata-borrão e um fax.
O meu trabalho rende mais de manhã, especialmente no Verão. No Inverno fico deprimida e letárgica, sendo muito difícil para mim trabalhar, por isso grande parte do meu trabalho é realizado entre Março e Novembro. Sou muito sensível ao tempo e às estações, e isso afecta o modo como (e se) trabalho. Não fico angustiada com isso; consigo ver geralmente em meia hora se o meu dia vai ser produtivo, e se não estiver com vontade, não trabalho. Em vez disso, vou ao ginásio ou vejo um filme ou então vou dar um passeio a pé. Não conto as páginas que faço e não trabalho seguindo um horário de trabalho. No entanto, fico muito nervosa quando não escrevo, ou não o consigo fazer. A minha motivação tem a ver com necessidade e não com disciplina. Detesto prazos e faço de tudo para os evitar, é por isso que sou tão reservada em relação ao meu trabalho em progresso, até mesmo para a minha agente.
Desde que escrevi Chocolate, que foi quando deixei a docência, que publico um livro por ano. Isso não quer dizer que escreva um livro por ano – alguns levam mais tempo do que outros, e, de qualquer modo, os meus livros nem sempre foram publicados pela ordem de escrita. Por exemplo, comecei a escrever Na Corda Bamba antes ainda de Chocolate, e ia pegando nele e pondo-o de lado durante cinco anos até achar que me sentia pronta para o terminar. Vinho Mágico e Cinco Quartos de Laranja também não foram publicados pela ordem de escrita. É muito comum ter vários projectos a decorrer ao mesmo tempo. Posso estar a trabalhar numa coisa durante um par de meses e depois mudar para outra completamente diferente – ou porque preciso de fazer alguma pesquisa, ou porque preciso de mudar de ares, ou apenas porque não sei o que vai acontecer a seguir. Tenho um par de projectos onde me posso refugiar quando necessito de uma pausa do meu trabalho em progresso, e que podem nem sequer ser entregues à minha editora. No entanto, acho que esta alternância me ajuda a manter a concentração no trabalho, bem como a manter a minha mente flexível.
Às vezes apetece-me fazer algo mais pequeno ou completamente diferente. Os contos são um excelente meio para manter estes impulsos sob controlo, e é por isso que os meus abrangem tantos temas – do western à ficção científica. Costumo escrever mais coisas deste género durante o Inverno, e é por isso que muitos deles são sombrios e selvagens. Ou talvez seja apenas a minha maldade intrínseca a procurar um escape.
São poucas as ideias que vêem ter comigo enquanto estou à secretária. Geralmente sou eu que vou ter com elas – quando estou a viajar ou, simplesmente, a falar
Sendo linguista e compositora, sou sensível às notas e aos ritmos das palavras, ao comprimento variável das frases e aos sons característicos de diferentes vozes. Algumas palavras soam-me muito mal e eu não as uso – os meus editores americanos pedem-me muitas vezes para mudar algumas palavras e expressões para a edição americana, mas às vezes acho que alguns americanismos estão desajustados em relação ao resto, e eu não gosto de fazer essas alterações. Leio muitas vezes as minhas páginas em voz alta; é a única forma que tenho de saber se realmente consegui evocar o que pretendia; se uma frase soa mal quando lida em voz alta eu livro-me dela.