23
Jul 12

Tenho recordações vívidas da minha infância. Nós morámos na loja dos meus avós até aos meus três anos. O quarto de banho era exterior e não tínhamos aquecimento central. A minha mãe, que não estava habituada a climas frios, achava isto terrível. Lembro-me de o meu avô me levar com ele a distribuir jornais – eu sentava-me em cima do saco postal. Lembro-me também de me sentar debaixo do balcão e de olhar para os frascos de doces ao sol.

Tenho um irmão dez anos mais novo. Dou-me bem com ele, mas como temos uma grande diferença de idade era como se eu primeiro tivesse sido filha única e depois uma segunda mãe. Ele tem dois metros de altura e está a gerir uma loja de desporto em Nottingham. Tem cabelo comprido e patilhas e entra em reconstituições de batalhas. Acho que faz o papel de todo o exército francês. Ele parece o Wolverine, só que maior.

O francês foi a minha primeira língua. A minha mãe é francesa e acho que havia um sentimento de que a nossa família era, de certa forma, “forasteira”. Não havia muitos estrangeiros em Barnsley naquela época e era uma grande curiosidade o facto de eu ter tido pronúncia durante uns tempos. A minha mãe lembra-se de falar francês comigo à porta da escola e de as outras mães olharem desconfiadas, afastando os seus filhos, como se lhes pudéssemos pegar o que nós tínhamos.

Os meus pais eram professores de Línguas. Eles falavam sobre o ensino o tempo todo e os amigos deles eram professores. Era considerado bastante natural que eu fosse para o ensino. Eu tinha um instinto para isso, gostava disso e teria sido feliz se tivesse continuado a dar aulas.

Os meus avós é que tomavam conta de mim. A minha mãe não tinha tempo livre para tomar conta de mim; acho que só ficava comigo ao fim de semana. Depois de se reformarem, os meus avós viviam na mesma rua que nós. Como estavam sempre por perto, eu ouvia o que tinham para dizer e muitas dessas histórias acabaram por aparecer nos meus livros. Tenho tendência para escrever sobre mais do que uma geração, já que quando era pequena tinha contacto com mais do que uma geração e era normal estar rodeada de pessoas mais velhas.

A minha bisavó era uma mulher muito interessante de origem camponesa francesa – carregada de suspertições, magia popular e mezinhas estranhas, prevendo o futuro, e feitiços e rituais. Estava constantemente a encher-me a cabeça com este tipo de coisas e a dizer coisas do género: “Não cortes ambas as pontas do pão senão os demónios entram no teu corpo.”

A minha mãe cozinhava sempre mas a minha avó inglesa era quem cozinhava no forno. Era engraçado ver as duas influências culinárias distintas. Eu costumava ajudar a minha avó na cozinha e aprendi com ela a fazer bolos e tartes. Eu vinha de duas famílias onde se passava muita coisa na cozinha: especialmente quando estava de férias com a família da minha mãe em Noirmoutier, na Vendeia. Havia grandes reuniões familiares e faziam-se verdadeiros banquetes.

O meu marido, Kevin, e eu andámos  juntos no ensino secundário em Barnsley. Fomos para diferentes universidades mas permanecemos sempre juntos. Quando tivemos a nossa filha, Anouchka, tudo mudou. Não se pode prever o efeito que isso tem em nós. Antes de termos filhos, pensamos no mundo em termos de nós próprios. E quando nos tornamos pais o foco vira-se para outra pessoa.

publicado por Rita Mello às 12:33

03
Jul 12

publicado por Rita Mello às 09:44

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