
A vida marítima açoriana é espectacularmente variada; cerca de vinte e cinco espécies de baleia visitam as ilhas, e durante a nossa primeira excursão avistamos cachalotes, baleias-bicudas, baleias-piloto e golfinhos.
Digo primeira excursão. Ninguém consegue resistir a uma segunda – de facto, podíamos fazer a mesma excursão todos os dias durante uma semana que veríamos diferentes tipos de vida marítima de todas as vezes – peixes-voadores, tartarugas marítimas, golfinhos-piloto. Mas a nossa última excursão foi ainda mais excitante – antes de regressarmos a São Miguel fizemos uma reserva para nadar com estas criaturas.
Este é o ponto alto das nossas férias. Vamos seis pessoas para o alto-mar no mesmo tipo de barco a motor que usámos para observar as baleias. A excursão demora uma tarde inteira e, apesar de só duas pessoas poderem estar na água de cada vez, teremos várias oportunidades para nadar. Mas, primeiro, temos de encontrar golfinhos e rezar para que estejam com disposição para brincar. Se houver algum sinal de ansiedade teremos de os deixar sozinhos.
Demoramos cerca de uma hora a encontrar o primeiro grupo. São golfinhos-estriados, e eu e a Anouchka somos as primeiras a nadar, entrando lentamente, para não os assustar, na água quente quase tropical.
Mergulhamos e ficamos espantadas pela súbita dimensão do ambiente. A água é de um azul luminoso e é tão límpida que conseguimos ver até onde os nossos olhos nos deixam. A profundidade aqui está entre os mil e os dois mil metros – território de Jules Verne – e o simples facto de aqui estarmos é como uma espécie de regozijo assustador. Apesar disso, os golfinhos parecem ter desaparecido – de súbito vejo-os novamente, a nadar a uma certa distância debaixo de mim, vinte ou talvez mais, a prestarem pouca atenção à desajeitada nadadora que está no caminho da luz. E estão a cantar. Ouço-os claramente; uma nota longa, aguda e ressonante que abre estridentemente caminho através da água. Anouchka levanta o polegar na minha direcção; também ela os consegue ouvir e seguimo- -los durante cinco ou mais minutos até que o conjunto de golfinhos se vai embora e nós regressamos ao barco.
Repetimos esta experiência mais seis vezes nesse dia e outras cinco no dia seguinte. Encontramos golfinhos-piloto e golfinhos-pintados e nadamos com ambos. Alguns chegam-se muito perto de nós. Mas nada supera aquele primeiro contacto com outras espécies no seu próprio elemento. É uma experiência arrepiante, profunda e quase religiosa que sei que vai ficar comigo durante muito tempo.
Apesar disso, a questão é: quanto tempo este pequeno paraíso ainda vai durar? Talvez seja do romantismo que por aqui prevalece, mas depois disto tenho uma certa relutância em escrever sobre estas ilhas, como se se não o fizesse eu conseguiria ajudá-los a preservar esta aura digna de Brigadoon que lhes confere o seu encanto.
É que é a escala das coisas que faz com que os Açores sejam tão diferentes e especiais. Apenas com umas dúzias de turistas de cada vez é que se torna aceitável que um restaurante sirva comida cozinhada num tacho enterrado no meio de uma montanha; ou que uma empresa de excursões dispense seis horas, um barco e dois tripulantes para que quatro ou cinco pessoas possam nadar com golfinhos. Mas rapidamente tal deixará de ser possível se o fizerem em grande escala.
Por isso não consigo deixar de sentir que testemunhei os últimos dias da Atlântida – alegremente livre (mas durante quanto tempo?) dos excessos do século XXI. E é com uma oração sentida ao deus das pequenas coisas que Anouchka e eu embarcamos no avião de regresso a casa – para, por favor, deixar que as ilhas continuem como estão. Perfeitas – para sempre.
Artigo publicado no Daily Telegraph, no dia 11 de Setembro de 2006.