19
Fev 14

Um entrevistador fez-me uma vez esta pergunta: se naufragasse e fosse dar a uma ilha deserta, que três coisas levaria?

Eu dei esta resposta frívola: Um gato, um chapéu e um pedaço de cordel. Em parte porque me agradava o ritmo vivo e despreocupado da frase e em parte porque cada uma dessas coisas tem por si só muitos usos potenciais, o que torna a minha escolha mais do que a soma das suas partes.

Levaria o gato para ter companhia. O chapéu para me proteger do sol. O pedaço de cordel tem múltiplas utilidades, incluindo divertir o gato ou segurar o chapéu na cabeça se houver muito vento. Há também uma situação imaginada em que uso o chapéu e o pedaço de cordel para fazer uma armadilha simples para apanhar peixes (presumivelmente para alimentar o gato); ou uma outra situação, menos apelativa, em que estrangulo o gato com o pedaço de cordel e o cozinho para o almoço, usando o chapéu como terrina improvisada. (Para dizer a verdade, não consigo imaginar-me a querer alguma vez comer gato, mas quem sabe o que poderia acontecer se ficasse bastante tempo numa ilha deserta?) Ocorreu-me na altura que, provavelmente, poderia imaginar uma centena de histórias semelhantes só com aqueles três elementos.

As histórias neste livro são também um pouco assim. Embora de ínicio não pareçam relacionadas, descobrirão que estão ligadas de várias maneiras, umas com as outras e com os meus romances. Nalgumas, a ação desenrola-se em locais que talvez reconheçam; noutras apresentam-se personagens com quem talvez estejam familiarizados. Algumas são autónomas – para já, pelo menos –, o que não quer dizer que continuem a sê -lo para sempre. As histórias são tantas vezes muito mais do que a soma das suas partes individuais; para mim, existem como mapas inacabados de mundos ainda por descobrir; à espera de que alguém assinale a lápis as ligações à medida que as vai encontrando.

Como eu disse em Danças & Contradanças, os contos nem sempre me ocorrem com facilidade. Por vezes, vêm dar à costa como os destroços às praias daquela ilha deserta; noutras ocasiões, trago-os para casa das minhas viagens pelo mundo; ou por vezes chocalham dentro da minha cabeça durante meses a fio – e até anos – como moedas presas dentro de um aspirador à espera de que eu as liberte.

De qualquer modo, espero que estas histórias possam levá-los a avançar um pouco mais por esse território inexplorado. Talvez encontrem alguns velhos amigos – assim como espero que descubram alguns novos. Não se esqueçam do gato e do chapéu – e, com um pedaço de cordel suficientemente comprido, terão sempre a certeza de conseguir encontrar o caminho para casa.

publicado por Rita Mello às 15:16

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