
Os dinossauros conseguem mover-se com rapidez mal o cérebro esteja em pleno funcionamento. Depois do meu encontro com a Juliette aconteceram bastantes coisas; o elenco começou a ser reunido; o argumento foi várias vezes reescrito; a data para o início das filmagens foi fixada para 2 de Maio. Não tenho um quarto para visitas em casa, por isso, a Juliette teve de dormir na cama da Anouchka (rodeada de brinquedos e de retratos de astronautas), enquanto esquadrinhávamos todas as linhas do argumento de Chocolate, fazendo alterações à medida que avançávamos. Ela leu a sua parte em voz alta; eu li o resto. Bebemos litros de chocolate quente. E eu continuei a beliscar-me.
Uma das razões porque me lembrei da Juliette para o papel foi o facto de ela ter uma criança da mesma idade que a minha filha Anouchka, que tem um papel de destaque no livro. A relação entre mãe e filha é a mais forte da história, e tinha esperanças de que trouxesse alguma da sua experiência para o papel. E tinha razão; ela e a Anouchka deram-se lindamente (apesar da Anouchka insistir em referir-se a ela como “Juliette Brioche”), e tínhamos todas um forte pressentimento de que o Pantoufle, o coelho invisível da minha filha (com um papel-chave no livro) se transformara, cortesia da Miramax, num canguru. Infelizmente, apesar disso, o canguru continuou lá. É o meu único arrependimento.
No entanto, fizemos progressos no argumento. Em circunstâncias normais, apenas teria tido um pequeno envolvimento por cortesia, como bem sabe quem já vendeu a alma a Hollywood, mas é incrível o que podemos fazer quando temos uma grande estrela do nosso lado. A maior parte das minhas sugestões foram adoptadas. De repente, fui consultada para uma série de coisas, desde a banda sonora até à forma correcta para lançar runas. As saquinhas vermelhas de boa sorte que Vianne pendura por cima das portas foram levadas de minha casa pela Juliette durante a sua estadia. Até agora, acho que a sorte está a funcionar.
As filmagens começaram na semana seguinte em Bath, depois em França. Passei as últimas duas semanas no local de filmagens em Shepperton, onde a maior parte dos cenários interiores foi construída. Era, simultaneamente, muito e pouco parecido com o que tinha imaginado. Os cenários eram perturbadoramente familiares; reconheci a casa da minha avó em França, bem como o quarto dela e todos os tachos e panelas que estavam pendurados na parede; a chocolataria era exactamente como a tinha imaginado, mas para melhor, com filas de frascos de compotas nas paredes e as estranhas figuras mexicanas a guardar o tesouro de chocolate. Havia até uma homenagem ao Pantoufle original na janela – um coelho de chocolate e maçapão com uma capa e um chapéu de mágico. Encontra-se agora no quarto de Anouchka. O facto de ela ainda não o ter comido é o maior elogio que consigo imaginar.
O chocolate é uma substância que provoca alterações de humor. Suspeitei sempre disso (em doze anos de ensino, nunca me desiludiu) e, finalmente, vi a prova durante as filmagens de Chocolate. O local das filmagens consegue ser um lugar muito stressante. Os orçamentos, os prazos, os conflitos pessoais são indicadores de que os ânimos estão muitas vezes exaltados, especialmente quando o tempo avança. Mas aqui não se passou nada disso. Parecia que toda a gente se estava a divertir. Lasse Hallström (que tinha imaginado ser uma figura assustadora com um boné e um megafone) foi encantador, nunca levantando a voz ou dando qualquer sinal de impaciência. O aroma do chocolate proveniente do fogão portátil atrás do cenário era tão forte que actores de outros cenários arranjavam desculpas para se deixarem ficar por lá, a sentirem o aroma com inveja. Apesar do frenesim atrás dos bastidores, ninguém parecia estar demasiado ocupado para falar comigo. Havia uma atmosfera de energia criativa e alegre. Até o fotógrafo estava a sorrir. Só podia ser do chocolate.
No entanto, quando tudo acabou, eu sabia que tinha tido muita sorte. Sentia-me como alguém que vagueara por um perigoso labirinto, andando à sorte, e que, contra todas as probabilidades, tinha atingido às cegas o prémio final. Isso fez-me sentir um pouco culpada e quase que quis odiar o filme, como se fosse uma compensação por ter tido um percurso tão fácil até aí. Mas não o odiei. Foi tudo o que esperei que fosse, caloroso, divertido e descontraído, com ironia suficiente para não ser lamechas. Ao estar sentada a vê-lo pela primeira vez em Nova Iorque, a comer pipocas e a ver os créditos a passar, pergunto-me cautelosamente se já é seguro começar a acreditar em tudo isto.